Instalação, geocronologia e petrogénese de granitóides biotíticos sintectónicos associados ao cisalhamento Vigo-Régua (ZCI, Norte de Portugal)

Tese de doutoramento apresentada em co-tutela por Pedro Pimenta Simões em 2000, na Universidade do Minho e no Institut National Polytechnique de Lorraine, Nancy (França)

Resumo
Neste trabalho é apresentado um estudo de maciços graníticos hercínicos sintectónicos associados ao cisalhamento Vigo-Régua, com destaque para a estrutura, mineralogia, geoquímica e geologia isotópica (U-Pb, Rb-Sr e Sm-Nd), tendo em vista caraterizar os granitóides, precisar o quadro geodinâmico de implantação e idades de instalação, definir a origem e os processos de evolução dos seus magmas.

Os granitóides situam-se na Zona Centro Ibérica, ao longo do cisalhamento Vigo-Régua, e são designados, de Norte para Sul, por granitos de Refoios do Lima, Sameiro, Felgueiras, Lamego e Ucanha-Vilar. Trata-se de granodioritos a monzogranitos biotíticos com textura porfiróide (megacristais de feldspato potássico), com encraves microgranulares máficos (cuja frequência diminui de Sul para Norte), pertencentes ao grupo dos granitóides sinorogénicos biotíticos sin-F3. Os granitos são constituídos por quartzo + plagioclase (andesina/oligoclase) + feldspato potássico + biotite + zircão + monazite + apatite + ilmenite ± moscovite. Nos granitos de Ucanha-Vilar, Lamego e Felgueiras ocorre ainda alanite ± esfena ± epídoto, enquanto no granito de Refoios do Lima está presente cordierite + silimanite ± turmalima ± granada.

Os granitos apresentam uma estruturação interna essencialmente magmática, que lhes é conferida pela orientação dos megacristais de feldspato potássico e da biotite, e ainda pela orientação dos encraves microgranulares. As observações de campo e os dados estruturais indicam que a fábrica que os maciços apresentam é o resultado da deformação dos magmas por achatamento com uma reduzida componente rotacional, num regime tectónico dominado por uma componente compressiva sub-horizontal de direcção NE-SW, sem movimento significativo ao longo do acidente Vigo-Régua. A instalação dos granitos é compatível com o regime de tensões na etapa inicial da terceira fase de deformação hercínica (F3). O acidente Vigo-Régua esteve activo na fase final da instalação dos granitóides, atendendo à existência de cisalhamentos dúcteis direitos de direcção média N140° nos maciços estudados. A ascensão e instalação dos magmas terá sido facilitada pela deformação do encaixante metassedimentar e pela fracturação associada ao acidente, com expansão lateral in situ.

Os granodioritos-monzogranitos em estudo são moderadamente peraluminosos [(A/KNC)m:1.19-1.39] com conteúdos em SiO2 que variam entre 62 e 70%. De acordo com os dados geoquímicos de rocha total, os granitos apresentam composições muito próximas, definindo séries independentes que evidenciam um decréscimo em Al2O3, CaO, MgO, Fe2O3t, TiO2, P2O5, Ba, Sr, Zr e La com o aumento em SiO2, excepto o granito de Sameiro que não apresenta uma evolução interna significativa. Estas séries também se distinguem pela composição das suas biotites, as quais diferem nos conteúdos em Al e/ou Mg, apresentando características aluminopotássica (granito de Refoios do Lima) e calcoalcalinas a aluminopotássicas (granitos de Sameiro, Felgueiras, Lamego e Ucanha-Vilar). Todos os granitóides apresentam elevados conteúdos em Ba, com teores médios que variam entre 981 e 1522 ppm. Os granitos apresentam perfis de terras raras com significativo enriquecimento das TR leves relativamente as TR pesadas [(La/Yb)N=33-59] e anomalias moderadas em Eu (Eu/Eu*=0.57-0.66).

As tendências de evolução tipológica (T.E.T.) das populações de zircão indicam uma origem essencialmente crustal para o granito de Refoios do Lima. Para os restantes granitos observa-se que as T.E.T. atravessam o domínio dos granitos calcoalcalinos para o dos granitos de origem crustal. No estudo geoquímico efectuado, os zircões do granito de Refoios do Lima revelam uma fase magmática com teores de HfO2 superiores a 1.2% e de Y2O3 inferiores a 0.5%; estas características geoquímicas associadas às características tipológicas dos zircões e à presença de numerosos núcleos relíquia indicam uma origem por anatexia da crusta para este granito. Para os restantes granitos os dados geoquímicos sobre zircão, nomeadamente valores de HfO2 inferiores a 1.2% e predomínio de Th sobre U na fase magmática precoce, indicam uma assinatura calcoalcalina. Contudo, a existência de uma descontinuidade composicional a nível dos teores em HfO2 na fase magmática sugere que, no decurso da evolução dos magmas inicialmente calcoalcalinos, tenha ocorrido um processo de hibridação com um magma anatético. Também o facto das T.E.T. dos granitos de Ucanha-Vilar, Lamego, Felgueiras e Sameiro atravessarem o domínio dos granitos calcoalcalinos para o domínio dos granitos de origem crustal pode ser interpretado como indicador de um processo de mistura de dois magmas de composições diferentes.

Para obtenção dos dados geocronológicos U-Pb foram seleccionadas fracções de monazite e zircão dos granitos de Ucanha-Vilar, Lamego, Sameiro e Refoios do Lima. Em diagramas concórdia os dados isotópicos relativos às fracções de zircão definem discórdias directas com intersecções superiores a 315 ± 5 Ma (MSWD = 3.6) para Ucanha-Vilar, 319 ± 4 Ma (MSWD = 2.1) para Lamego e 319 ± 13 Ma (MSWD = 5.8) para Refoios do Lima, interpretadas como idades de instalação. Para o granito de Sameiro as fracções de zircão definem uma discórdia inversa (MWSD = 8.3) com intercepção inferior a 314 ± 4 Ma, interpretada como idade mínima de instalação, e intercepção superior a 1932 ± 126 Ma; a obtenção de uma discórdia inversa é interpretada como resultando da existência de núcleos relíquia no zircão do granito de Sameiro, confirmada ao MEV. As monazites dos diferentes granitos são subconcordantes, com idades 207Pb/235U muito idênticas: 317 ± 3 Ma para o granito de Ucanha-Vilar, 317 ± 5 Ma para o granito de Lamego, 318 ± 2 Ma para o granito de Sameiro e 317 ± 3 Ma para o granito de Refoios do Lima. O apertado intervalo de idades obtido sugere instalação subcontemporânea dos diferentes granitos há cerca de 317 Ma.

O estudo isotópico revelou razões iniciais 87Sr/86Sr (317 Ma) de 0.7072-0.7073 para Ucanha-Vilar, 0.7082-0.7085 para Lamego, 0.7083-0.7084 para Felgueiras, 0.7082-0.7084 para Sameiro e 0.7104-0.7106 para Refoios do Lima. Os valores de eNd (317 Ma) obtidos foram de -4.39 a -4.75 para Ucanha-Vilar, -5.03 a -5.09 para Lamego, -5.02 a -5.43 para Felgueiras, -4.59 a -5.03 para Sameiro e -6.01 a -6.28 para Refoios do Lima. Verifica-se que os granitos de Ucanha-Vilar e Refoios do Lima apresentam os valores mais extremados de Sri e Nd, revelando os granitos de Lamego, Felgueiras e Sameiro uma composição isotópica similar. Observa-se ainda que as assinaturas isotópicas são sucessivamente mais evoluídas de Sul para Norte. Os elevados valores de Sri e negativos de Nd indicam uma contribuição importante de componente crustal na origem dos magmas. Esta contribuição crustal é maior no granito de Refoios do Lima e menor no granito de Ucanha-Vilar.

As diferenças geoquímicas, mineralógicas e isotópicas entre os vários granitos excluem a possibilidade de uma única fonte homogénea para a origem de todos os granitos. A presença de rochas gabróicas de origem mantélica (manto enriquecido) na região onde ocorre a granito de Sameiro, de corpos granodioríticos-quartzomonzodioríticos na área de Ucanha-Vilar, bem como a abundância de encraves microgranulares máficos nos granitos de Ucanha-Vilar, Lamego, Felgueiras e Sameiro, suportam um modelo de mistura entre um magma básico (possivelmente mantélico) e um magma crustal félsico. Os dados químico-mineralógicos e isotópicos admitem como componente crustal um magma equivalente ao granito de Refoios do Lima, provavelmente derivado de protólitos metaígneos félsicos da crusta inferior. O modelo petrogenético de mistura está ainda de acordo com as características morfológias e químicas que os zircões dos granitos exibem.

Após um processo dinâmico de mistura do tipo “mixing”, os magmas terão evoluído por cristalização fraccionada, com evoluções internas distintas, à excepção do granito de Sameiro onde a evolução interna é reduzida. A aplicação de um modelo quantitativo de cristalização fraccionada aos restantes magmas sugere fraccionamento de biotite + plagioclase ± feldspato potássico + apatite ± ilmenite, em proporções variáveis para cada granito.

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