Sedimentologia e estratigrafia do Cenozóico de Trás-os-Montes Oriental (NE Portugal)
Tese de doutoramento apresentada por Diamantino Pereira em 1998, na Universidade do Minho.
Resumo
Este trabalho tem como objectivo conhecer a cobertura sedimentar cenozóica de Trás-os-Montes oriental (NE Portugal). Procedeu-se à caracterização sedimentológica e ao enquadramento geomorfológico dos depósitos, bem como à sua correlação com unidades conhecidas em bacias ou depressões mais próximas da área em estudo. A caracterização sedimentológica foi efectuada com base quer na descrição das litofácies e outros dados observados em afloramento, quer com base em dados laboratoriais, como análise granulométrica, exoscopia, minerais pesados e mineralogia da fracção < 2µm. Objectivos, enquadramento geológico e geomorfológico, metodologias e estudos anteriores são descritos no Capítulo I.
Os sedimentos ocorrem em pequenos retalhos, na maioria dos casos em depressões situadas no contexto dos acidentes tectónicos de Mirandela e de Bragança-Vilariça-Manteigas, depressões com expressão geomorfológica actual, ou em depressões preenchidas e posteriormente regularizadas pela superfície do Planalto Mirandês. A descrição e caracterização dos sedimentos (Cap. II), o estudo mais detalhado de alguns aspectos sedimentológicos (Cap. III) e o conhecimento das unidades descritas em regiões próximas (Cap. IV), permitiu definir um conjunto de unidades litostratigráficas, bem como as condições morfo-sedimentogénicas e correlações estratigráficas apresentadas no Capítulo V e resumidas da seguinte forma:
- A Formação de Vale Álvaro, com uma espessura máxima observada de 23 metros, é constituída por conglomerados grosseiros, com clastos pouco rolados e pouco alterados de rochas máficas e ultramáficas dos Maciços de Bragança e Morais sobre os quais aflora. Os conglomerados são intercalados por níveis arenosos e margosos imaturos, vermelhos. A fracção < 2µm é constituída por esmectite ou esmectite+paligorskite. Esta formação tem origem em leques aluviais confinados a depressões estreitas. Em Bragança é evidente a sua deposição num bloco subsidente associado ao desligamento esquerdo NNE-SSW do acidente Bragança-Vilariça-Manteigas e em associação com movimentos tectónicos que se poderão relacionar com a fase Pirenaica. Estes derrames terão ocorrido sob condições de clima de tendência semi-árida, possivelmente durante o Oligocénico.
- A Formação de Bragança, com uma espessura máxima de 80 metros, preenche vales fluviais encaixados, desenvolvidos como resposta erosiva a impulsos tectónicos e consequente levantamento relativo das áreas montanhosas a partir do Tortoniano médio. Um conjunto de depressões intramontanhosas ter-se-ão individualizado na continuidade destes movimentos, passando a drenagem a efectuar-se no sentido dessas depressões que vão sendo preenchidas por sedimentos pouco evoluídos. Na Formação de Bragança diferenciam-se dois membros. O Membro de Castro (inferior), com tendência granodecrescente, é constituído por conglomerados na base, correspondentes a pavimentos de canal, aos quais se seguem sedimentos areno-conglomeráticos que sugerem um modelo fluvial entrançado de baixa sinuosidade e com o leito encaixado no substrato; para o topo predomina a sedimentação fina, com esmectites dominantes na fracção < 2µm. O Membro de Atalaia (superior) é areno-conglomerático e corresponde a uma sucessão de episódios de um modelo fluvial entrançado de baixa sinuosidade com transições momentâneas para um estilo mais sinuoso. A Formação de Bragança sugere condições temperadas a quentes, com uma estação particularmente pluviosa. A caracterização e a correlação com outras unidades, suportam a hipótese de uma idade Tortoniano superior a Messiniano inferior para o Membro de Castro e Messiniano superior a Zancliano para o Membro de Atalaia.
- A Formação de Mirandela é constituída por uma sucessão de conglomerados de matriz arenosa, intercalados por níveis arenosos e raros lutitos, indicadores de um regime de alta energia. Tem um carácter predominantemente quartzoso e caulinítico. Com uma espessura máxima observada de 30 metros, está limitada à depressão de Mirandela, preenche paleovales estreitos e profundos e deverá relacionar-se com um impulso tectónico que abriu aquela depressão a um regime exorreico, percursor da rede actual atlântica. Admite-se que a Formação de Mirandela se relacione com a ruptura Ibero-Manchega I (3.5 Ma) e com as condições relativamente quentes e húmidas do Pliocénico superior.
- A Formação de Aveleda é constituída por depósitos avermelhados superficiais. Ocorrem essencialmente sobre uma superfície aplanada que marca a descontinuidade com as formações mais antigas e tem maior desenvolvimento na base de relevos. Predominam as litofácies conglomeráticas, com clastos subangulosos quartosos e quartzíticos, suportados numa matriz abundante lutítica, caulinítico-ilítica. Tem origem em fluxos do tipo debris flow, intercalados por ocasionais fluxos do tipo mud flow. As características e a correlação com unidades vizinhas, sugerem que os sedimentos se depositaram numa etapa fini-neogénica, em ambiente de leque aluvial, em condições áridas ou semi-áridas quentes, em resposta à fase tectónica Ibero-Manchega II (2.6 Ma).
- A Formação de Sampaio, confinada à depressão da Vilariça, é constituída por sedimentos predominantemente conglomeráticos, castanhos ou avermelhados. Os depósitos, de constituição variada ao longo do vale, denunciam um modelo de leques aluviais dispostos transversalmente à depressão, em ligação com as principais incisões que se observam actualmente. Estão dispostos sobre a superfície que suporta os terraços plistocénicos do Douro situados entre 50 e 30 metros acima do talvegue. Também a caracterização da fracção < 2µm evidencia semelhanças entre esta unidade e os terraços do rio Douro. Os dados permitem admitir uma idade plistocénica para a Formação de Sampaio.