Geocronologia e petrogénese do maciço granítico de Peneda-Gerês
(ZCI, Norte de Portugal e Galiza)

Tese de doutoramento apresentada por Anabela Carreira Mendes em 2002 na Universidade do Minho, 275p.

Resumo
Na região fronteiriça do NW de Portugal e o Sul da Galiza (Espanha) aflora o maciço granítico de Peneda-Gerês que constitui um bom exemplo de um maciço Hercínico pós-tectónico. Este maciço é constituído por seis fácies graníticas principais: os granitos de Gerês, Paufito, Illa, Carris, Calvos e Covas. As relações de contacto observáveis (contactos graduais entre os granitos de Paufito e de Illa e contactos magmáticos lobados nos restantes) sugerem sincronismo de instalação. A medição da orientação preferencial de megacristais de feldspato potássico revela que o maciço apresenta uma estrutura geral em funil (planos de fluidalidade magmática subparalelos ao contacto, com fortes pendores geralmente para o interior do maciço), o que indica que uma parte importante da massa granítica foi erodida.

Os granitos deste maciço são leucogranitos peraluminosos, sendo o carácter peraluminoso mais fraco nos granitos de Gerês, Paufito, Carris e Covas. Os vários indicadores tipológicos apontam para assinaturas subalcalinas ferropotássicas para as principais fácies graníticas (Gerês, Paufito-Illa, Carris e Covas). Constitui uma excepção o granito de Calvos por apresentar características típicas de granitos de tipo S e de associações aluminopotássicas.

O estudo geoquímico de rocha total permitiu constatar a existência de domínios composicionais distintos para cinco dos seis granitos do maciço. Constitui excepção o granito de Carris, cuja composição é semelhante às amostras mais evoluídas do granito de Paufito. Por outro lado os granitos de Paufito e de Illa, embora composicionalmente distintos, apresentam uma continuidade composicional e evolutiva entre si, sendo o granito de Illa o termo mais evoluído. Observou-se ainda que os granitos de Gerês, Paufito, Illa e Calvos apresentam evoluções químico-mineralógicas internas. As amostras do granito de Gerês marcam uma evolução composicional que, paralelamente ao aumento em SiO2, é caracterizada por decréscimo de Al2O3, K2O, CaO, Zr, Th, (La/Yb)N e acréscimo de Y, não havendo variação de Ba, Sr, Th e Rb. Nos granitos de Paufito e de Illa, paralelamente ao acréscimo em SiO2 verifica-se diminuição de Al2O3, Fe2O3t, MgO, TiO2, CaO, Ba, Sr, Zr, Th, terras raras leves e Eu/Eu*. No granito de Calvos observa-se, com o aumento em SiO2, diminuição em Al2O3, Fe2O3t, MgO, TiO2, P2O5, Ba, Sr, Zr, terras raras leves, (La/Yb)N e Eu/Eu*.

Obtiveram-se dados geocronológicos Rb-Sr e U-Pb que apresentam uma boa concordância entre si. Pelo método Rb-Sr (rocha total) obteve-se uma idade de 296 ± 6 Ma para o granito de Gerês (MSWD=0.08) e 292 ± 6 Ma para os granitos de Paufito e de Illa (MSWD=0.26). Pelo método U-Pb obteve-se para o granito de Gerês uma idade de 296 ± 2 Ma (monazite) e 297 ± 7 Ma (zircão). Para o granito de Paufito a idade obtida foi de 290 ± 2.5 Ma (zircão). Este conjunto de dados aponta para a implantação do maciço há 290 a 296 Ma.

No decurso do estudo geocronológico U-Pb e estudo geoquímico de zircões, a observação em microscópio electrónico de varrimento da estrutura interna de mais de uma centena de zircões permitiu constatar a existência, em alguns casos, de núcleos herdados de dois tipos principais. Nalguns casos tratam-se de núcleos escuros idênticos aos observados em zircões de granitos de tipologia subalcalina doutras regiões e que foram interpretados como núcleos herdados indicativos de um processo de mistura magmática (Pupin e Persoz, 1999). O segundo tipo de núcleos relíquia são núcleos discordantes que ocorrem sobretudo em zircões tardios do granito de Illa e que são interpretados como testemunha de uma contaminação tardia do magma.

O estudo isotópico Sr, Nd das seis fácies graníticas principais do maciço permitiram constatar a existência de quatro grupos composicionalmente distintos. Globalmente, todos os granitos possuem composições isotópicas pouco evoluídas. Esse carácter é claramente mais acentuado nos granitos de Gerês e de Covas: (87Sr/86Sr)296 entre 0.7030 e 0.7038, epsilon Nd296 entre -1.51 e -1.57. Os granitos de Paufito e de Illa constituem um segundo grupo com (87Sr/86Sr)290 de 0.7061 a 0.7069 e eNd290 entre -2.34 e -2.39. O granito de Carris, que se recorda, possui composição química idêntica ao granito de Paufito, apresenta composição isotópica intermédia entre os valores de Gerês-Covas e de Paufito-Illa: (87Sr/86Sr)290 entre 0.7048 e 0.7053, epsilon Nd290 entre -1.88 e -1.96. Constitui outro grupo o granito de Calvos, cuja assinatura isotópica é a mais evoluída e variável: (87Sr/86Sr)296 entre 0.7076 e 0.7092, epsilon Nd296 entre -3.49 e -3.92.

As idades modelo TDM são de 1.05 Ga para os granitos de Gerês e de Covas, 1.11 Ga para os granitos de Paufito e de Illa, 1.07 a 1.08 Ga para o granito de Carris e 1.20 a 1.23 Ga para o granito de Calvos. Acrescente-se ainda que, para o granito de Carris, se obteve no estudo geocronológico U-Pb sobre zircões uma discórdia inversa com uma intersecção superior da concórdia aos 1.2 Ga. De acordo com estes dados é possível concluir que, tal como noutras zonas da cadeia Varisca europeia, nesta região uma porção de crusta continental estava presente pelo menos desde o Proterozóico Médio.
Do conjunto de dados disponíveis conclui-se que os granitos de Paufito e de Illa se originaram a partir de um mesmo líquido magmático. Os dados isotópicos Sr, Nd apontam igualmente para uma relação comagmática entre os granitos de Gerês e de Covas. As diferenças em termos de assinatura isotópica destes dois conjuntos de granitos (granitos Paufito-Illa e Gerês-Covas) e do granito de Calvos sugerem que estes foram derivados de fontes diferentes. Relativamente ao granito de Carris, isotopicamente distinto dos restantes granitos, põe-se a hipótese de que a assinatura isotópica desta rocha poderá não corresponder a caracteres primários reflectindo a composição da fonte. Pensa-se que a assinatura isotópica original do granito de Carris tenha sido modificada através de transferência por difusão entre o magma que deu origem ao granito de Carris (“magma” de Paufito) e o magma mais evoluído envolvente (“magma” de Gerês), não se tendo atingido o equilíbrio isotópico. O conjunto de dados disponíveis para o maciço apontam, portanto, para a existência de três unidades intrusivas síncronas que evoluiram independentemente.
As características químico-mineralógicas das evoluções internas apresentadas pelos granitos de Gerês-Covas, de Calvos e de Paufito-Illa podem ser interpretadas como tendências primárias controladas dominantemente por um processo de cristalização fraccionada, o que é não é refutado pelos resultados da modelização efectuada. Refira-se, ainda, a observação de núcleos discordantes de características calcoalcalinas ou mais aluminosas, presentes em zircões mais tardios e sobretudo no granito de Illa. Estes foram interpretados como prova de uma contaminação tardia desse magma.
O estudo comparativo de granitos subalcalinos tardi-Variscos de Portugal e doutras regiões do Hercínico revela que este tipo de plutonismo apresenta uma assinatura isotópica globalmente pouco evoluída. Dos dados disponíveis pode-se considerar que a composição se situa dominantemente no intervalo: Sri = 0.705-0.707 e epsilon Ndi = -1.04 a -2.54.
Na origem destes magmas poderá estar a fusão parcial de material da crusta inferior ou, então, uma mistura entre um componente mantélico e um componente crustal. No primeiro caso, os protólitos crustais teriam que possuir uma assinatura isotópica mais empobrecida do que a evidenciada pelos xenólitos infracrustais existentes no sector central da Península Ibérica. No caso de se admitir uma mistura com um componente mantélico, este teria que ser distinto do componente mantélico envolvido, segundo alguns autores, na génese dos granitóides sin-F3 e tardi-F3 do NW de Portugal. Na opinião de Pupin e Persoz (1999), na origem dos magmas subalcalinos ferro-potássicos estaria a hibridização entre rochas alcalinas subsolvus e magma calcoalcalino.

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