Trabalho de síntese apresentado por Pedro Pimenta Simões em 1993 no âmbito das PAPCC, 157p.
Resumo
Na Serra de S.ta Luzia, entre Viana do Castelo e Vila Praia de Âncora (antiforma de Viana do Castelo), ocorrem vários corpos graníticos que se organizam em três maciços graníticos: maciço de Bouça do Frade (fácies porfiróide + fácies média), maciço de Afife (fácies média s/ turmalina + fácies média c/ turmalina) e maciço de S.ta Luzia (fácies grosseira + fácies porfiróide); o granito porfiróide de Bouça do Frade, granito grosseiro de S.ta Luzia e granito de Afife constituem os granitos com maior expressão cartográfica.
Tratam-se de maciços de granitos hercínicos de duas micas, sin-F3, com forma alongada de direcção N-S, concordante com as estruturas do encaixante metassedimentar de idade ordovícica e câmbrica que constituem o encaixante. As relações estruturais e o tipo de contactos entre os vários granitos revelam que as intrusões são subcontemporâneas mas de implantação sucessiva (granito grosseiro de S.ta Luzia --> granito de Bouça do Frade --> granito de Afife), num lapso de tempo muito curto, inferior ao tempo de arrefecimento de cada unidade.
A mineralogia granítica evidênciada por análise petrográfia é formada por quartzo + plagioclase (An=1.6 a 17.4%) + feldspato potássico + moscovite + biotite ± turmalina ± apatite ± zircão ± silimanite ± ilmenite.
As biotites dos granitos são aluminosas e ricas em Fe2+, situando-se no domínio das biotites dos granitos aluminopotássicos. As biotites dos granitos principais revelam ser composicionalmente distintas, evidenciando o granito porfiróide de Bouça do Frade e granito de Afife evoluções distintas que se traduzem na diminuição em Mg e Ti e enriquecimento em Al, paralelamente ao aumento da razão Fe/(Fe+Mg); de salientar que para o granito de Afife as biotites da fácies com turmalina correspondem às de maiores valores XFe, Al e menores valores em Mg e Ti.
As moscovites subeuédricas e plurimilimétricas do granito porfiróide de Bouça do Frade e do granito de Afife revelam composições e evoluções distintas, enquanto as moscovites do granito grosseiro de S.ta Luzia evidenciam uma composição próxima das moscovites do granito de Afife. As moscovites de Bouça do Frade e de Afife registam aumento da proporção em Fe3+ e decréscimo na proporção em Fe2+ a par com o enriquecimento em AlIV e diminuição em Si, respectivamente, consequência das substituições fengítica e Al3+ <-->Fe3+. Os critérios texturais e químicos que as referidas moscovites evidenciam (subeuédricas, contactos nítidos com os restantes minerais, ricas em Ti, substituição fengítica reduzida) levam a concluir da origem magmática daquele mineral para as diferentes fácies graníticas.
Nos granitos com maior expressão cartográfica o feldspato potássico apresenta uma significativa variabilidade estrutural com estados estruturais monoclínicos, triclínicos e intermédios, quer ao nível da fácies quer seja entre fácies, com o granito grosseiro de S.ta Luzia a revelar estruturas predominantemente monoclínicas. É de salientar o elevado grau de ordenamento que as estruturas monoclínicas revelam. A acção conjugada de factores como circulação de fluidos e deformação é admitida para explicar a variabilidade estrutural observada.
A turmalina presente no granito de Afife pertence à série schorlite-dravite e caracteriza-se por ser anédrica, com fraco zonamento óptico e composicional, evidenciando um aumento de Fe e da razão Fe/(Fe+Mg) paralelamente à diminuição do conteúdo em biotite no granito; admite-se uma origem magmática para a sua formação.
A interpretação dos dados geoquímicos de rocha total (elementos maiores, vestigiais e terras raras) revela que as duas fácies que inicialmente se consideraram para Afife apresentam continuidade composicional e evolutiva, correspondendo as amostras com turmalina às amostras mais evoluídas. Verifica-se que o conteúdo em turmalina varia na razão inversa do conteúdo em biotite.
Conclui-se também que o granito porfiróide de Bouça do Frade, granito de Afife e granito grosseiro de S.ta Luzia não formam uma série comagmática, atendendo à existência de descontinuidades composicionais e evolutivas entre aqueles granitos. Bouça do Frade e Afife revelam tendências evolutivas internas primárias que se expressam num enriquecimento em Fe2O3, MgO, TiO2, Ba, Zr, ·TR, La/Yb e F e aumento em Na2O, B e Sn paralelamente à diminuição no conteúdo em biotite; mineralogicamente estas tendências traduzem-se numa diminuição do conteúdo em biotite e moscovite e aumento em plagioclase (e turmalina para Afife). Para o granito grosseiro de S.ta Luzia a evolução interna não é tão evidente, o que poderá traduzir uma fraca evolução em si mesma ou ser devido à significativa deformação que apresenta a qual, "mascarou" a evolução.
Quanto às fácies com menor expressão cartográfica, estas não apresentam a mesma identidade geoquímica que as fácies do mesmo maciço; pelo contrário, a fácies porfiróide de S.ta Luzia revela similaridade composicional com a fácies porfiróide de Bouça do Frade, enquanto a fácies média de Bouça do Frade apresenta maior afinidade geoquímica com o granito de Afife, pelo que poderá representar uma manifestação precoce de Afife.
Num sector onde ocorrem mineralizações de Sn, W, Li e Nb-Ta verifica-se que, o granito porfiróide de Bouça do Frade e granito de Afife revelam especialização em Sn e Li, com elevados teores de Li (222 a 557ppm). De referir a ocorrência de espodumena primária em aplito-pegmatitos do litoral, espacialmente associados ao granito de Afife.
As caracteristicas tipológicas que os granitos apresentam (granitos tipo S, com ilmenite, pertencentes a associações aluminopotássicas) levam a admitir um forte contributo de material crustal, heterogéneo, para a origem dos diferentes granitos. As tendências primárias evidenciadas pelo granito porfiróide de Bouça do Frade e granito de Afife são atribuídas a processos de cristalização fraccionada de magmas leucograníticos, originados por fusão parcial de metassedimentos, e fazendo intervir zircão, apatite, biotite, moscovite, plagioclase, feldspato potássico e quartzo, em percentagens variáveis para cada maciço. A diminuição do índice de aluminosidade, a par com o decréscimo do conteúdo em biotite, é atribuído ao fraccionamento precoce de moscovite; a cristalização precoce de moscovite pode ser atribuída à presença significativa de F, B e Li nos líquidos graníticos, elementos responsáveis pelo abaixamento da curva do solidus granítico para temperaturas mais baixas às que geralmente são consideradas para magmas graníticos, permitindo assim a cristalização de moscovite.