Petrogénese do maciço subalcalino de Peneda-Gerês (NW Península Ibérica): evidências a partir da estrutura interna e geoquímica de elementos traço de zircões

Mendes A. C., Pupin J-P., Dias G.

Apresentado na X Semana de Geoquímica e IV Congresso de Geoquímica dos Países de Língua Portuguesa, Braga-Portugal, Março de 1997

Para obter o resumo completo pode contactar os autores ou o volume dos resumos do Congresso.

Abstract

The Peneda-Gerês massif is a late-Hercynian granitic pluton of subalkaline ferropotassic affinity. Zircon internal structure and trace element geochemistry data from three of its units (the Gerês, Paufito and Illa granites) reveal the existence of two kinds of inherited cores. In the least evolved samples, cores similar to others found in massifs of the same nature testify magma mingling between an alkaline and a calc-alkaline magma. In more evolved samples, and to a greater extent in the Illa granite, a heterogeneous zircon core population with calc-alkaline and anatectic characteristics is found and could only have resulted from contamination, taken place not early in the magmatic history.

 

1. Introdução
A morfologia interna/externa e composição química de zircões têm merecido nestes últimos anos cada vez mais atenção como fonte de informação da história, muitas vezes complexa, da rocha onde se encontram. Neste trabalho apresenta-se o resultado de um estudo por microssonda electrónica (Camebax, Univ. de Montpellier II; metodologia in Pupin, 1992) e microscópio electrónico (Leica S360, Univ. do Minho) de zircões de grande parte das fácies do maciço granítico de Peneda-Gerês.

2. Características gerais do maciço
O maciço em estudo localiza-se na região fronteiriça do Minho (NW de Portugal) com a Galiza (Espanha). Trata-se de um maciço tardi-hercínico, discordante relativamente ao encaixante dominantemente constituído por granitos sin-hercínicos.

Este maciço engloba quatro fácies graníticas, três das quais afloram em disposição concêntrica. A mais externa (granito de Gerês) é biotítica porfiróide de grão grosseiro a médio e contacta gradualmente com o granito de Paufito. Este apresenta grão médio e um carácter porfiróide que decresce com a proximidade à fácies mais interna do maciço (granito de Illa), uma fácies biotítico-moscovítica de grão fino. A outra unidade (granito de Carris) aflora essencialmente no granito de Gerês como corpos irregulares e é biotítica de grão fino, por vezes porfiróide.

O granito de Gerês possui alanite e ocasionalmente esfena e horneblenda. Esta ocorre localmente com maior expressão, tendo-se distinguido uma subfácies, a subfácies de Covide. O granito de Illa apresenta moscovite primária. Trata-se de leucogranitos levemente metaluminosos a peraluminosos. Do estudo geoquímico e mineralógico foi possível concluir que o granito de Gerês terá evoluído a partir de um magma subcontemporâneo mas distinto do dos granitos de Paufito e de Illa. Estes terão derivado do mesmo magma cujo termo mais evoluído se encontra representado pelo granito de Illa (Mendes & Dias, 1996). A caracterização tipológica destes granitos teve como base vários indicadores. No diagrama X vs. Or*-MM* (La Roche et al., 1980) o granito de Gerês e os granitos de Paufito e de Illa definem tendências evolutivas características de séries subalcalinas. A tipologia dos zircões mostra que, embora os pontos médios das populações se projectem numa zona de sobreposição dos domínios dos granitóides das séries calcoalcalina, subalcalina e alcalina, as tendências de evolução tipológica (T.E.T.) permitem precisar que são de afinidade subalcalina e características das associações ferropotássicas como o maciço de Ploumanac'h (Pupin, 1981). Quanto à biotite, a sua posição nos diagramas Mg-Alt (Nachit et al., 1985) e MgO-FeOt-Al2O3 (Chevremont et al., 1988) indica uma natureza subalcalina ferropotássica para o granito de Gerês mas, no caso das outras unidades, os teores em Al são superiores aos de associações subalcalinas projectando-se nos domínios calcoalcalino ou aluminopotássico (Mendes & Dias, 1996).

3. Morfologia, estrutura interna e geoquímica dos zircões
Do estudo tipológico de zircões concluiu-se que as amostras do granito de Gerês descrevem uma única tendência evolutiva, diferindo apenas quanto ao grau de evolução evidenciado pelo I.T médio que é bastante elevado (705) nos termos menos evoluídos. Nos granitos de Paufito e de Illa, embora os zircões sejam morfologicamente análogos aos do granito de Gerês, o seu T.E.T. aproxima-se mais do domínio aluminoso. Esta diferença de tipologia está em consonância e é certamente o reflexo das diferenças composicionais existentes entre o granito de Gerês e os granitos de Paufito e de Illa. A comparação entre os granitos de Paufito e de Illa mostra que este último possui carácter mais evoluído e maior variedade de subtipos, havendo zircões com a forma piramidal {211} dominante, o que leva a que a tendência evolutiva se posicione mais à esquerda no diagrama.

A análise da estrutura interna e composição química dos zircões permite distinguir diferentes fases da sua história evolutiva, designando-se de fase 1 a fase herdada, fase 2 a fase de cristalização magmática e fase 3 a fase tardimagmática (Pupin, 1992). A análise de zircões do granito de Gerês revelou a existência de variações composicionais mais evidentes nas amostras menos evoluídas, mas sobretudo na subfácies de Covide. Tal como seria de prever pela distribuição tipológica da amostra desta subfácies, a fase 3, que se apresenta como sobrecrescimentos amarelos a castanhos, encontra-se muito pouco representada. Os cristais possuem por isso contornos límpidos e distinguem-se dois tipos: incolores, com poucas inclusões, zonamento ténue praticamente imperceptível ao microscópio óptico e composicionalmente homogéneos; ou com uma zona central castanha, muito zonada e rica em Y, Hf, Th e U. Zircões como estes últimos foram igualmente observados noutros maciços subalcalinos ferropotássicos. Em maciços como o de Ploumanac'h (granito de Traouieros) os centros castanhos são, como aqui, concordantes com a estrutura do cristal mas noutros maciços eles apresentam-se anédricos ou subeuédricos (Mont Blanc, Medel-Cristallina; Pupin, 1995a; Pupin e Persoz, 1995). Dada a acentuada discordância composicional, e por vezes estrutural, entre estes centros castanhos e o resto do cristal, conclui-se que se tratarão de núcleos. Segundo Pupin (1995b), o facto de se encontrarem em zircões de cristalização precoce e amostras menos evoluídas indica que serão o registo de uma mistura magmática. A morfologia e composição destes núcleos são típicas de zircões de granitos alcalinos subsolvus e pegmatitos enquanto que a fase magmática possui uma afinidade calcoalcalina. Os dados disponíveis levam a admitir a hipótese da mistura magmática ter ocorrido entre um magma alcalino com elevada taxa de cristalização, donde provieram os núcleos, e um magma calcoalcalino, resultando daí um magma subalcalino (Pupin, 1995a).

Nos outros granitos esta fase herdada tem pouca expressão (granito de Paufito) ou está aparentemente ausente (granito de Illa). As fases magmáticas caracterizam-se por composições idênticas à da subfácies de Covide com diferenças nos teores em Y, Hf, U e Th consoante o carácter mais ou menos evoluído. A fase tardimagmática, muito mais significativa nas restantes amostras, traduz-se num enriquecimento frequentemente brusco em elementos traço. Os teores em Th da fase 3 distinguem estes granitos dos de anatexia onde não há enriquecimento neste elemento (ThO2<1000ppm para teores em UO2 até 2%) (Pupin, 1992).

Nos granitos estudados observaram-se outras fases herdadas. Estas encontram-se presentes nos zircões de cristalização mais tardia e em quantidades notoriamente mais elevadas no granito de Illa. Apresentam-se incolores, com poucas ou nenhumas inclusões, levemente zonados, discordantes e com a forma {211} desenvolvida. Geoquimicamente distinguiram-se dois grupos: núcleos por vezes alongados com baixo teor em ThO2 (<1000ppm) que se restringem ao domínio dos granitos anatéticos no diagrama HfO2-Y2O3, e outros com conteúdo em Hf, Y e Th e morfologia característicos de rochas calcoalcalinas (Pupin, 1992). Os primeiros contêm por vezes, eles próprios, núcleos discordantes cuja composição e forma indiciam também uma natureza calcoalcalina.

Estes dois grupos de núcleos, presentes dominantemente nos zircões do granito de Illa e inexistentes em cristais de cristalização precoce, apontam para a ocorrência de um fenómeno ligeiramente tardio de contaminação do magma subalcalino por rochas de natureza mais aluminosa. Recorde-se que o granito de Illa é um termo mais evoluído do magma que terá originado também o granito de Paufito, logo era mais rico em fluidos do que este. Isso terá facilitado o processo de contaminação no granito de Illa e explica a maior proliferação de núcleos neste. A composição mais aluminosa do granito de Illa e das biotites dos granitos de Paufito e de Illa é muito provavelmente reflexo desta contaminação.

ESTE TRABALHO FOI REALIZADO NO ÂMBITO DO PROJECTO PRÁXIS/2/2/CTA/391/94 TENDO AINDA RECEBIDO APOIO DA JNICT E EMBAIXADA DE FRANÇA AO ABRIGO DO PROGRAMA DE COOPERAÇÃO CIENTÍFICA E TÉCNICA LUSO-FRANCÊS.

Referências
La Roche H., Stussi J.M., Chauris L. (1980) Les granites à deux micas hercyniens français. Essai de cartographie et de corrélations géochimiques appuyées sur une banque de données. Sci. de la Terre, 24, 1: 5-121.
Mendes A., Dias G. (1996) Petrology and geochemistry of late-Hercynian subalkaline plutonism in the Central Iberian Zone: the Peneda-Gerês granitic massif. C. R. Acad. Sci. Paris, 323, série IIa: 665-672.
Moreira A. (1984) Carta Geológica do Parque Nacional da Peneda-Gerês à escala 1/50 000. Serviços Geológicos de Portugal e Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza.
Nachit H., Razafimahefa N., Stussi J-M., Carron J.P. (1985) Composition chimique des biotites et typologie magmatique des granitoïdes. C.R. Acad. Sci. Paris, 301, série II: 813-818.
Pupin J.P. (1981) A propos des granites potassiques. C.R. Acad. Sc. Paris, 292, série II: 405-408.
Pupin J-P. (1988) Granites as indicators in paleogeodynamics. Rend. Soc. Ital. Mineral. Petrol., 43-2: 237-262.
Pupin J-P. (1992) Les zircons des granites océaniques et continentaux. Bull. Soc. géol. Fr., 163, 4: 495-507.
Pupin J-P. (1994) Caractérisation des protolithes des migmatites et granites anatectiques crustaux d'après l'étude des zircons. C.R. Acad. Sc. Paris, 319, série II: 1191-1197.
Pupin J-P. (1995a) Le zircon, marqueur de mélanges magmatiques à l'origine de granites de l'association subalcaline ferro-potassique: exemple du Mont-Blanc (Alpes). Reún. Spéc. Soc. géol. Fr. & AGSE, Nice, 10.
Pupin J-P. (1995b) Discordant cores in zircons and granite genesis. Hutton Symposium, Maryland, USA.
Pupin J-P., Persoz F. (1995) The origin of high-K subalkaline granites from zircon studies. EUG VIII, 4, Strasbourg.
Tomas J.F., Mateo E.P. (1972a) Mapa geológico de España (Lovios- 301), 1/50 000. Inst. Geol. y Min. España.
Tomas J.F., Mateo E.P. (1972b) Mapa geol. de España (Portela d'Home-336), 1/50 000. Inst. Geol. y Min. España.

 

Lista de publicações